terça-feira, 9 de dezembro de 2008

.imagináveis.

"Kublai Khan percebera que as cidades de Marco Polo eram todas parecidas, como se a passagem de uma para outra não envolvesse uma viagem mas uma mera troca de elementos. Agora, para cada cidade que Marco lhe descrevia, a mente do Grande Khan partia por conta própria, e, desmontando a cidade pedaço por pedaço, ele a reconstruía de outra maneira, substituindo ingredientes, deslocando-os, invertendo-os.
Marco, entretanto, continuava a referir a sua viagem, mas o imperiador deixara de escutá-lo, interrompendo-o:
- De agora em diante, vou descrever as cidades e você verificará se elas realmente existem e se são como eu as imaginei. Em primeiro lugar, gostaria de perguntar a respeito de uma cidade construída em degraus, exposta ao siroco, num golfo em forma de meia-lua. Vou relatar algumas das maravilhas que ela contém: um tanque de vidro alto como uma catedral para acompanhar o nado e o vôo das andorinhas e desejar bons angúrios; uma palmeira que toca uma harpa com as folhas ao vento; uma praça contornada com uma mesa de marmóre em forma de ferradura, com a toalha também de marmóre, preparada com comidas e bebidas inteiramente de marmóre.
- Você está distraído. Eu lhe falava justamente dessa cidade quando fui interrompido.
- Você a conhece? Onde fica? Como se chama?
- Não tem nome nem lugar. Repito a razão pela qual quis descrevê-la: das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem um código interno, uma perspectiva, um discurso. É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, o medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.
- Eu não tenho desejos nem medos - declarou o Khan -, e meus sonhos são compostos pela mente ou pelo acaso.
- As cidades também acreditam ser obra da mente ou do acaso, mas nem um nem o outro bastam para sustentar as suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.
- Ou as perguntas que nos colocamos para nos obrigar a responder, como Tebas na boca da Esfinge."
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2003. Página 45 e 46.

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Detalhe de Aquarela - A4 - Jul 2008
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