terça-feira, 24 de maio de 2011

[enxerto]

Numa excepcional manhã de inverno curitibano, encostei-me em uma mureta do pátio da reitoria da universidade a fim de fumar um delicioso cigarro ao sabor de um pequeno copo de café. Estava frio, nublado e calmo. O dia, eu. Fumar e tomar um café sentado no pátio da reitoria tinha se tornado um hábito para mim. Às vezes abstraia os acontecimentos daquela paisagem para ser levado por pensamentos distantes... Subitamente surgiu ao meu lado um senhor-jovem. Desses que passam a vida perseguindo a juventude. Usava tênis jovem, roupa jovem, mas não era jovem. Encontrei-me na divertida tentativa de analisá-lo sob todas as expectativas. Uma camisa xadrez aberta acima de uma camiseta escura, jeans e cabelos compridos atados nas costas. Ficamos um ao lado do outro em silêncio. Ele não percebera que eu o observava. Assistia atentamente à partida de ogroball na quadra do pátio (futebol com bola de tênis, popularmente praticado por cabeludos e barbados das ciências humanas, mas que já não se limitava a estes). Segui observando o senhor-jovem e julgando-o segundo meus caprichos, receios e vontades. Talvez tivesse parado no tempo. Aproveitado seus 20 anos de uma maneira tão intensa que não quis mais deixar a idade. Ter se desiludido com o mundo, errado incessantemente, reconhecido sua insignificância. Talvez tivesse cultivado seus cabelos brancos e suas marcas ao redor dos olhos sem mesmo perceber a passagem das horas. Havia abandonado a razão, deixado a guia nas mãos do desejo. Talvez vivesse em outra lógica. E vivia, claro. Todavia, estava submetido à minha inescapável lógica de observador. Inesperadamente virou-se a mim e me pediu um cigarro. Eu sabia que no maço havia apenas um, mas senti-me obrigado a me desfazer para amenizar a culpa pelos julgamentos tramados. Hora ou outra sou pego por uma moral comum. Entreguei-lhe um cigarro e em seguida o isqueiro. Acendeu. Devolveu-me e continuou concentrado no jogo. Pude, enfim, ver seus olhos. Estavam vermelhos e vidrificados. Havia acordado cedo, como sempre o fizera, fumado seu baseado de costume e posto a caminhar pela cidade. Uma denúncia de bomba aqui na reitoria? - virou-se a mim, indagando. Balbuciei uma incompreensão, surpreso por intervir. Seguiu: houve uma denúncia de bomba aqui na reitoria e há pouco tinham várias viaturas por aqui. Olhei para o velho pátio. Uma paisagem familiar, já outra...
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Este trabalho de Jonathan Braga, foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial 3.0 Não Adaptada.

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